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Sobre os Percursos Traçados:

Metrô (Pedro Marra)

O percurso sonoro enviado foi registrado em junho de 2013, em um vagão do metrô do Rio de Janeiro, entre as estações Cardeal Arcoverde e Botafogo. Faz parte de um projeto maior não realizado, denominado marulhos urbanos, no qual um percurso da praia de Copacabana até o Aeroporto Santos Dumont seria registrado e editado apenas a partir de sons que se assemelhassem ao mar – por sua natureza semelhante ao do ruído branco, ocupando de maneira aleatória e equivalente todo o espectro audível – como as ondas, trânsito, motores de veículos automotivos, metrô e avião.
Neste percurso dentro do metrô do Rio de Janeiro, a intensão era registrar toda a viagem da estação Arco Verde até Cinelândia. Contudo, dentro da Estação Arco Verde os seguranças a serviço do Metrô do Rio de Janeiro impediram a gravação, dizendo que para realiza-la seria necessário autorização da empresa.

O percurso foi registrado após o encontro com os seguranças, em segredo. Ele foi interrompido antes do pretendido pois outros seguranças, na estação seguinte, se aproximaram perguntando se a gravação havia sido interrompida. Após a pergunta, houve ameaça de confisco do equipamento de registro. Nesse sentido, o percurso gravado permite ouvir as formas de controle a que se está submetido nas sociedades contemporâneas.

Por Pedro Marra

Santa Ifigenia_02052019 (Marcus Neves)

No dia 02 de maio de 2019, uma quinta-feira de tempo nublado, às 11h, realizei este soundwalk. Sempre me fascinou a polifonia da venda da rua Santa Ifigênia, localizada na República, na cidade de São Paulo/SP. Este local é uma grande referência em venda de artigos eletrônicos não só para os paulistas mas para pessoas de todo o Brasil que vão à São Paulo em busca de um custo benefício atraente para a compra deste tipo de produto.
Da formalidade à informalidade, às iscas sonoras são emitidas à plenos pulmões pelas calçadas em uma disputa pela atenção dos transeuntes e/ou futuros clientes que por ali pesquisam produtos de seu interesse. São muitas lojas avulsas e shoppings em um percurso de um pouco mais de 500 metros de rua.
As vozes dos comerciantes, em seus diversos sotaques, disputam espaço sonoro com carros e alto-falantes de rádios das lojas despejando o mais variado repertório musical.
Parti com meus microfones binaurais, um em cada orelha, de dentro do Shopping Century. Segui à esquerda caminhando, sempre pela calçada, em meio a este coral, fui cruzando os quarteirões, logo, também as quatro ruas que cortam em transversal a Santa Ifigênia, incluindo a Avenida Ipiranga, até chegar à esquina com a Rua dos Gusmões, ponto em que decidi encerrar este percurso que, como capixaba sempre de passagem pela capital paulista, planejava gravar há anos.

Por Marcus Neves

Central <>Saracuruna<> Vila Inhomirim (Lucca Totti)

Central <> Saracuruna <> Vila Inhomirim é o registro da caminhada sonora resultante de uma proposta de Alexandre Fenerich, José Ricardo e Lucca Totti. Buscou-se contrastar os extremos da urbe carioca através de suas extensas linhas de trem, indo e vindo da Estação Central do Brasil até Vila Inhomirim, percorrendo assim mais de oitenta quilômetros ao longo de sete horas. No caminho, um encontro direto com as políticas envolvidas nas práticas de caminhada sonora.
A Central do Brasil é uma das mais movimentadas estações de trem do país, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. A primeira linha leva à Saracuruna, o bairro mais populoso do município de Duque de Caxias. De lá, outra linha leva à Vila Inhomirim, distrito remoto do município de Magé, limítrofe da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sopé da Serra de Petrópolis.

Propõe-se assim um experimento em caminhadas sonoras por lugares ignorados e invisibilizados, paisagens sonoras suburbanas, traslados precarizados, trens a diesel deteriorados que dominam sonoramente seu interior e exterior enquanto estão em movimento. É também um experimento de choque, contraste e desigualdade, evidenciando e problematizando as posições e políticas em que um soundwalker insere sua prática – o que é esperado de uma caminhada, o que é esperado do campo, o que é esperado das relações instanciadas nessas situações. Equipado com microfones binaurais intra-auriculares, disfarçando totalmente a presença de um gravador, reflete-se também sobre o uso da gravação como ferramenta de relação com esse campo – as questões éticas em ser um estranho que “captura a realidade” ali encontrada.

Por Lucca Totti

O Centro de Fortaleza (Verónica Daniela)

Caminhada sonora pelo centro da cidade de Fortaleza. Vendedores na rua, música em alto falantes, carros e outros sons típicos da cena comercial da cidade foram registrados na segunda feira 29 de abril de 2019 por volta das 11 horas da manhã.

Por Verónica Daniela

Ipirá (LaBixa)

Vim para Ipirá par gravar um filme muito próximo, realizado por um amigo muito próximo, com uma equipe muito próxima. É especial esta compartilhando este espaço com pessoas que prezo. A cidade é aconchegante, há muito couro, tem até uma grande fábrica. Mimos. As ruas são curtas, logo terminam, igual à estadia aqui. Acaba muito rápido.

Por LaBixa

Ruídos Ainda Desordenados Numa Feira de Rua em Santa Cecília (Cláudio Manoel)

As feiras são um organismo complexo. Lá estão as estruturas fixas (as barracas, as áreas de passagens), os passantes, compradores, além das ofertas de alimentos, serviços e objetos utilitários, formando uma espécie de microcidade, com suas vias, caminhantes, “moradores” e até carrinhos (de mão) em trânsitos. Mais do que essa ambiência material, a sonoridade pode ser pensada também como um outro organismo sobreposto.
Ouve-se um som permanente, continuo, massivo, um zumbido, uma espécie de layer costurando-se como uma base para alguns picos sonoros que explodem ao andar do caminhante: são os vendedores gritando suas ofertas; são os compradores sugerindo preços menores, dizendo o que querem.

As feiras de rua, como a Feira de Santa Cecília, em São Paulo, são um deleite para uma experiência de imersão sonora, uma espécie de dolby stereo orgânico e artesanal, um presente imaterial onde os ruídos (des)ordenados são já uma obra de arte. Eu, apenas um caminhante, registrando meu caminhar sensorial, errante, vadiando nessa obra de arte coletiva, sigo pelas vias estreitas dessa feira. Vou e volto. À toa, explorando essa dada instalação sonora.

Por Cláudio Manoel Duarte de Souza

de Higienópolis a Maria Antônia (Vicente Reis)

O bairro de Higienópolis em São Paulo me chama a atenção pelo seu relativo silêncio, mesmo em uma noite de sexta-feira. Muito próximo dali fica a Rua da Consolação, que é seu exato oposto, independente do dia e horário da semana. Entre esses dois espaços fica a rua Maria Antônia. A depender do dia e do horário, essa rua ora é tão calma quanto Higienópolis, ora é tão barulhenta quanto a rua da Consolação, mas não pelos carros e as recorrentes sirenes de ambulâncias e viaturas policiais, mas pela concentração de pessoas. Na sexta-feira à noite os estudantes da Mackenzie, que se estende quase por todo o quarteirão de um dos lados da Maria Antônia, ocupam a rua e seus muitos bares para festejar, beber e fumar. A concentração de pessoas na rua é tanta que, na primeira vez que vi, imaginei que havia algum evento ocorrendo por ali.

Neste percurso sonoro, eu realizei um trajeto que é recorrente em minha rotina, quando saio da USP pegando o ônibus Santana, do qual eu desço na Av. Angélica e caminho por Higienópolis, passando pela Maria Antônia em direção à rua da Consolação, onde moro. O contraste sonoro entre a Higienópolis e a rua ocupada por estudantes em um frenesi festivo é algo que me chama a atenção. Então inicio essa gravação na Av. Higienópolis, pouco antes de chegar na Maria Antônia e interrompo quando chego perto do Sesc da Consolação para fazer uma pausa para o lanche.

Por Vicente Reis

Caminhada para o terminal de integração de ônibus de Campina Grande/PB (Orlando Freitas)

A cidade de Campina Grande é o segundo maior centro econômico do Estado da Paraíba, caracterizando-se como entreposto distribuidor para diversas cidades do interior e do Nordeste. É considerada como sendo de médio porte e sua população é estimada em (2018) 407.472 pessoas – IBGE. A sua localização geográfica, na serra da Borborema, foi fundamental para sua ascensão e importância e por sua vocação ao comércio e urbanidade.

O passeio que registrei começa na pacata e pouco movimentada Rua Olegario Azevedo (também conhecida como a Rua do AABB) no bairro do São José. Podemos ouvir o canto dos pássaros e os sons característicos do vento, passos, pessoas e ruídos variados. Dobramos à esquerda e seguimos pela Rua Paulino Raposo. Tendo a direita o Parque do Povo (onde se realiza a festa intitulada de Maior São João do Mundo) segue-se em uma transição entre o interior do bairro relativamente silencioso e a avenida mais importante da cidade e que dá acesso ao centro. Seguimos e em sequência desembocamos na Av. Mal. Floriano Peixoto. Cruzando a cidade de leste/oeste esta artéria concentra um grande fluxo de automóveis que literalmente “cortam” Campina Grande e é justamente nesse trecho do passeio que os sons que marcam presença em grande parte do mundo começam a se fazer presentes: carros, muitos carros! Uma cacofonia emerge e cria uma textura reconhecida por todos que vivem em cidades. Buzinas, motocicletas e motores. Aqui as frequências agudas, médias e graves se somam em um só tecido criando uma paisagem sonora rica, singular e ao mesmo tempo diversificada. É por esta avenida que margearemos o Parque Evaldo Cruz que também é conhecido como Parque do Açude Novo que é um parque em formato circular e que dará acesso ao nosso destino final do passeio sonoro, o terminal de integração de ônibus da cidade! Esse sistema integra cerca de 90% das linhas de transporte coletivo nos sentidos centro-bairro e bairro-cento possibilitando a troca de itinerário por parte dos milhares de usuários que diariamente deste fazem uso. Ao som inconfundível de uma catraca, que lhe dá acesso, adentramos em uma nova paisagem sonora. Aqui o que irá predominar será o movimento. Tudo se move em estéreo e poderá ser imaginado a partir deste som/espaço/tempo. Mulheres, homens, crianças, atrasos, olhares, vozes, sonhos, música, diálogos que vem-vão e passam. Motores, música, expressões. Olhamos; somos vistos; frases; comércio; ruídos urbanos.

Gravado em um horário considerado como de pico aqui temos um frame sonoro que nos remete a um espaço que é único em nossa cidade. Aqui nos reconhecemos, encontramos, desencontramos, seguimos. Quantos percursos poderão existir?

Por Orlando Freitas

Caminhos Noturnos (Tepha)

Eu estava andando até a casa do meu amigo Otávio, e no meio do caminho eu já conseguia ouvir a Orquestra da Minerva ensaiando, e resolvi pegar o celular para gravar meus passos. Comecei o percurso pela Praça do Coreto, não estava muito animada naquela noite, diferente do comum. Fui caminhando com calma e a cada passo que eu dava, o volume dos instrumentos ia aumentando, e aquilo ia me deixando mais ansiosa.

Ao passar pela Filarmônica, parecia que eu estava dentro da sala, junto com os instrumentos, um som bastante alto e harmonioso, cheguei a ensaiar alguns passos enquanto eu caminhava. Virei a esquina e o som da Orquestra já foi diminuindo, e nesse caminho encontrei dois cachorros que me acompanharam até o prédio do Hansen Bahia, onde estava acontecendo uma palestra. Passei direto do Hansen para a Praça da 25. Os bares estavam tão vazios que quase dava pra ouvir as conversas das poucas pessoas que estavam por lá. Atravessei a praça e fui direto para o Canhão. Passei rapidamente por um grupo de pessoas que estavam ouvindo uma música e depois por outro grupo de pessoas em volta da moça do Acarajé, pareciam amigos e conversavam. Um pouco mais a frente, entrei no beco que vai direto para a casa do meu amigo, e esta parte é a mais silenciosa de todo o trajeto, subi a longa e íngreme escadaria até chegar na porta da casa de Otávio.

Em geral Cachoeira me surpreende com seus sons, durante o trajeto dá para perceber que a cada esquina que eu virava, um som sumia e outro som novo surgia. Sempre que ando por esta cidade, eu tenho a impressão de que as paredes querem nos contar histórias, tanto quando as pessoas que vivem aqui.

Por Tepha

La Chorrera (Léo Bortolin)

Meu percurso sonoro foi na vila/comunidade indígena de “La Chorrera”, distrito do Amazonas no país Colômbia. “La Chorrera” tem em torno de 3.000 habitantes em suas etnias Uitoto, Bora, Okaina e mais uma que infelizmente não consigo me recordar.
Estive lá por ocasião de uma filmagem dum documentário chamado “Em nome desta Terra”, dirigido por Aurélio Michelis (agora em fase de pós produção), no qual fiz a captação de som direto.

Caminhei por uma pequena ruela (largura de uma calçada), tida como a principal, com as casas nas laterais e próxima do rio. Durante o percurso cruzei com muitas crianças brincando, motos passando, homens e mulheres cortando grama com seu facões, terminando na direção da beira do rio onde mulheres lavavam roupas e crianças se banhavam.

A gravação foi realizada no dia 27 de abril de 2019 entre 06h30 e 07h da manhã.

Por Léo Bortolin

LEM-242 (Paloma Cristina)

O áudio foi captado durante a oficina “Cartografias do sentido” ministrada pela professora Milene Migliano durante o II Festival Mimoso de Cinema, realizado na cidade de Luis Eduardo Magalhães-BA.

Percorremos a rodovia Presidente Juscelino Kubitschek que corta a cidade, em direção ao centro. Estávamos no bairro Santa Cruz. Apesar de ser um bairro residencial a larga rodovia e a ausência de uma passarela faz com que o outro lado se torne distante e até perigoso de se atravessar.

A cidade é próspera devido ao agronegócio e tudo ao redor lembra isso com sua lojas de equipamentos agrícolas e carros grandes nas ruas. A circulação pedestre nesse trecho é um pouco complicada e o que me atraiu foi justamente o som dos carros freando em uma rodovia para que pedestres conseguissem atravessar.

Por Paloma Cristina Lima dos Santos

Fora Dentro (Diego Faskner Silveira)

O percurso é curto, iniciando no número 2200 da Avenida Plínio Brasil Milano, Porto Alegre, e indo na direção do supermercado Carrefour (2343) e continuando até o segundo andar do prédio do supermercado. A percurso, então é o movimento de um ambiente externo em direção ao interior de um espaço fechado.

Por Diego Faskner Silveira

Até lá, Balbúrdia (Marise Urbano)

Uma manhã ensolarada de quarta feira, liguei o tascam DR100, por volta das 8 horas da manhã na Praça Horácio Souza Lima, na rua Barão de Mauá, no Bairro do Rosa Elze, em São Cristóvão, Sergipe. Junto com minha amiga, caminhamos. Encontramos um caminhão parado, descarregando mercadorias, pela gente passaram pessoas caminhando, em bicicletas e de carros, um caminho longo. Chegamos a via principal, frente a universidade federal de sergipe – UFS, com maior movimentação de carros que passam acelerados, ouvimos um grito de um motorista referindo-se aos nossos cabelos blacks, um registro do que ainda ouvimos no dia a dia, atravessamos a primeira via, e logo depois a segunda, entramos na universidade, as falas tornam-se audíveis, muitos/as jovens em grupos ou sozinhos/as com mochilas, cadernos e livros, caminhando para suas salas de aula em busca da realização de seus desejos profissionais, uma verdadeira balbúrdia, em referência ao ministro da educação Abraham Weintraub.

Por Marise Urbano

Helicópteros, tambores, vozes, 15 de maio (Marina Mapurunga)

O dia estava frio, tinha chovido, naquele momento chuviscava um pouco. O céu cinzento de São Paulo parecia estar mais cinzento. Mas era um cinza diferente. Não sei explicar, mas estava diferente. Havia uma energia diferente. Eu estava vindo da rua da Consolação e, a cada passo que me aproximava da Avenida Paulista, o som dos helicópteros invadiam meus ouvidos e aquele céu. Comecei a gravar na altura da Augusta e segui até o MASP, onde os manifestantes se concentravam. Nos postes da Paulista, charges de Laerte acompanhavam o trajeto de quem seguia para o lado do MASP. Nas charges, críticas ao governo de Bolsonaro. Trabalhadores, professores, estudantes de escolas e universidades públicas e particulares, pessoas de todas as idades, crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas de todas as cores, de todo jeito protestavam contra os cortes de recursos para a educação anunciado pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub. Essa foi uma das mais belas manifestações que participei. Emocionava ver mais de 200 mil pessoas lutando pela educação do país, protestando a favor dos nossos direitos, juntos e fortes. Chegando no MASP, as vozes daquela multidão, as batucadas, os tambores calavam os helicópteros. Começava a ouvir o som da multidão mais a frente, seguiriam para a Assembléia Legislativa. A manifestação terminou à noite.

Por Marina Mapurunga

 

créditos

Faixas:

Santa Ifigenia_02052019 (Marcus Neves);

Central <> Saracuruna <> Vila Inhomirim (Lucca Totti);

O centro de Fortaleza (Verónica Daniela);

Ruídos ainda desordenados numa feira de rua em Santa Cecília (Cláudio Manoel);

Ipirá (LaBixa);

de Higienópolis à Maria Antônia (Vicente Reis);

Caminhada para o terminal de integração de ônibus de Campina Grande/PB (Orlando Freitas);

Caminhos Noturnos (Tepha);

La Chorrera (Léo Bortolin);

LEM-242 (Paloma Cristina);

Fora Dentro (Diego Faskner);

Até Lá, Balbúrdia (Marise Urbano);

Helicópteros, tambores, vozes, 15 de maio (Marina Mapurunga).

Curadoria e produção: Marina Mapurunga.

Instalação sonora de lançamento em Cachoeira-Bahia: Marina Mapurunga, João Paulo Guimarães, Stephanie Sobral, Gabriel Ferraz, Marina Pontes e Luiz Otávio.

Álbum lançado em 3 de Julho de 2019.