Entre o teto e a parede é um álbum digital coletivo, realizado a partir da terceira chamada aberta do SONatório para o projeto #desafios_sonoros. Entre o teto e a parede nasce a partir de uma pandemia, do enclausuramento, da solidão, da saudade, da estafa, da resistência. O mote para este desafio sonoro, além de seu título – Entre o teto e a parede –, partiu de três fotografias que foram mixadas para a capa do álbum. Entre o teto e a parede é composto por sons do cotidiano de enclausuramento, das máquinas rangendo em casa, do respiro, da deterioração e da regeneração de nossas mentes e lares, sons do nosso corpo, da nossa voz, sons-recordações de gravações passadas, sons-metáforas do que sentimos, sons que lampejam em meio à escuridão.
Texto de apresentação por Marina Mapurunga
Você pode ouvir o álbum também no nosso bandcamp: www.sonatorio.bandcamp.com
Sobre os Processos Criativos das faixas
1. Lamento (Malu Hatoum)
Essa faixa pandêmica foi realizada em uma sala – entre o teto e a parede. Também havia uma janela com grades, onde não se avistava o verde da árvore, mas o muro ao lado, outro interdito. É um lamento pelo carnaval que não passou.
Para a faixa me vesti de bexigas coloridas, fui experimentando os sons que produzia a fricção do meu corpo e as bexigas na parede. Num segundo momento, sentei em uma cadeira e com um pau desses difusores de aroma que encontrei, comecei a batucar as bexigas que estavam em minha cabeça. Gostei dos sons e comecei a gravá-los…improvisei com a voz e percussão facial.
Por Malu Hatoum
Maria Luiza Gimenes Peres [Malu Hatoum] é artista sonora, cantora, escritora, performer e produtora. Master em Arte Sonora na Universidade de Barcelona (2021) pós-graduada em dança e educação somática, Técnica Klauss Vianna pela PUC-SP (2012); pós-graduada em Arte Integrativa pela Universidade Anhembi-Morumbi (2006) e graduada em Psicologia, USP – Ribeirão-Preto (2002). Estudou Canto Lírico na Fundação das Artes de São Caetano do Sul – SP e FMU (2009-11). Atualmente desenvolve o conceito de uma práxis artística como prática ecosofica radical ou anarcoecológica a que denomina (por hora) e.copunk, tendo como referentes principais os autores Hakim Bey e Deluze-Guattari. Local: Bilbao, Vizcaya / Espanha. Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Gravadora Zoom H5; corpo/voz; bexigas; pau de difusor – mixado e masterizado no software Ableton Live. Ficha técnica | Voz, gravação, edição e mixagem: Malu Hatoum.
2. Sobrevivência dos Vagalumes (Giovanni Manzi)
Sobrevivência dos vagalumes é uma peça composta para piano e colagens eletrônicas. O nome da composição é emprestado do livro escrito por Georges Didi-Huberman. Essa leitura foi importante para mim nos últimos meses e provocou reflexões acerca daquilo que temos produzido de dentro de nossas casas no período de isolamento social. As pequenas luzes, emitidas pelos vagalumes, ora se acendem, ora se apagam, mas representam a importância da cultura como resistência perante as formas perversas de poder que têm nos cercado.
Inspirado pela leitura, procurei emular sons de insetos e suas multidões na natureza, utilizando aparatos eletrônicos. A partir daí, tentei evocar uma atmosfera fantasmagórica, explorando alguns timbres e texturas através de processamentos em fita cassete, recortes e colagens de sons. Os elementos sonoros processados, deteriorados, se contrapõem ao piano, em uma lógica de golpes e contragolpes.
A linha que une o teto e a parede é justamente aquilo que os sustenta. Entre o teto e a parede está a possibilidade de se imaginar.
Por Giovanni Manzi
Giovanni Manzi é músico e compositor. Em 2018 graduou-se no Bacharelado em Audiovisual do Centro Universitário Senac e atualmente cursa o Bacharelado em Música com Habilitação em Composição da ECA-USP. Como compositor possui um trabalho autoral focado, sobretudo, em música instrumental brasileira e música experimental. Como realizador, dirigiu três curtas-metragens, entre eles o filme NOH, que estreou no festival Cine Esquema Novo, de Porto Alegre, em 2019. Local: São Paulo, São Paulo/ Brasil. Equipamentos/softwares/materiais utilizados para a criação: Microfone AKG P220, placa de som, Logic Pro X, Max MSP e gravadora Fostex XR-7. Ficha Técnica | Piano, gravação, edição e mixagem: Giovanni Manzi.
3. Um quarto de dia confinado (Joseh Brito)
Minha construção reflete um recorte de pouco mais de 6 horas na vida de um enclausurado, por conta do SarsCov2 e que se encontrava “vivendo” por 10 dias no 15º andar de um prédio avizinhado a uma grande avenida da capital baiana.
É interessante notar que pra além dos sons cotidianos de tudo que passou a ser “atividades domésticas”, já que quase tudo se faz no lar, há também sons externos que invadem nosso recolhimento e que em conjunto se traduzem no silêncio possível, com que para além de estarmos com nossa liberdade limitada, estamos também sendo quase que torturados em nossas células “prisionais”, por mensagens que transmitem medo, insegurança, tristeza e ainda mais, necessidade de recolhimento entre paredes e tetos, ainda que por frestas a vida pareça estar corajosamente, e/ou covardemente, e/ou irresponsavelmente, e/ou alienadamente continuando com seus “bois de piranha”, que mesmo passando de meio milhão de vidas perdidas(só no Brasil), insistem em mostrar que o “rio” continua infestado e ainda assim segue. Tudo isso nos traz uma sensação de peso e culpa pela responsabilidade que assumimos em nos vigiar e não facilitar. A metodologia utilizada foi seguir um roteiro que serviu de “esqueleto” para garimpar sons no freesound.org que possibilitasse a construção da narrativa do roteiro.
Por Joseh Brito.
Joseh Brito é fotógrafo, estudante do curso de Cinema & Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e integrante do SONatório desde 2021.
Local: Muritiba, Bahia/ Brasil.
Equipamentos/softwares/materiais utilizados para a criação: Adobe Première e áudios do freesound project com licença Creative Commons BY-NC-SA (platão de comida.m4a por júpiter089; 125BPM Drum loop por steshystesh; Fire truck siren passing by in Valparaiso (Chile) por felix.blume; Shower - PowerOn-Taking the shower-PowerOFF.wav por Leossom; Despertador da RadiosEscolaresBA; SleepingCaveMonster.wav da Sclolex; cooking indrustrial music loop Mastering por szegvari; Cell Phone Interference 4 por MrAuralization;Phone Ringing Sound.wav por fspera; Rain_04.wav por Q.K. ; Rain and thunder in Thailand por felix.blume; cooking tomato sauce por trouby; cooking_02.wav por aesqe; Boiling Liquid.wav da KidsCastTechy ; Rádio 002.wav por GreenFireSound; Blender 80 (Água) por nicholaswyoung2; Helicopter por Akc1231; helicopterPassage_28sec.wav por Lorenzosu; Police siren.mp3 por MultiMax2121; ventilador.wav por anacarolinasaid; TV News por PappaBert ; more of defective analogue television set.flac por Timbre; TV Break por qfox123; ambulance. WAV por cupido-1; Ambulance por sofialomba ; Ambulance Siren por sofialomba ; Ambulance Siren por estereobrother ; October Rose por StephieQueen; Washing machine.wav por Lemodem).
Ficha Técnica | Edição: Joseh Brito.
4. Carta a Artaud (Lara Sorbille)
No começo da minha quarentena, em um esforço de não deixar que o isolamento retirasse todo o calor humano do meu peito, organizei com alguns amigos subitamente distantes um grupo de estudo sobre Antonin Artaud, o teatrólogo, filósofo e poeta. Isso surgiu da minha dificuldade de entender um dos textos que abre seu livro, O Teatro e a Peste, naquele momento em que sentia a necessidade de entender a Peste em si.
Fui contagiada por Artaud em muitas instâncias. Na memória do ar que respiro, ressoam suas palavras, escritas há quase 100 anos atrás, de uma lucidez tão profunda que não é surpresa que na época tenha sido entendida como loucura. Como dinâmica final do grupo, nos propusemos a endereçar a Artaud áudio-cartas. Ele, que endereçava tudo o que escrevia a algo ou a alguém, entendendo que ao endereçar palavras também se oferece e se projeta o próprio corpo, tinha recebido poucas respostas.
Fui buscar nos meus arquivos de áudio o que poderia oferecer a Artaud em tempos de pandemia, e me deparei com as últimas viagens que fiz logo antes de tudo começar. Ofereci para ele esse relato de alguns caminhos que cruzei, Asunción, São Paulo, Santos, e algumas das minhas reflexões de como esse era o ar que me permitia respirar enquanto as mesmas paredes de tantos anos atrás voltavam a acolher meu corpo. Entre o teto e a parede, meu relato é sobre fragmentos do que já vivi, que ainda reverberam em mim. Uma janela para o passado, ofertada como carta e relato a alguém que já não está nesse plano, mas que me acolheu mais do que muitos que estão vivos nos tempos atuais.
Por Lara Sorbille.
Lara Sorbille é graduanda de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal da Integração Latinoamericana, diretora do documentário Proyecto M - Patriarcado, performer virtual, roteirista, montadora, artista sonora, escutadora e contadora de histórias. Roteirizou episódios do podcast Primate Distópico, participou com a peça “Saudade” do Festival Sur Aural 2020 transmitido na Rádio Tsonami e com a peça “Mães” no podcast Sonora - Música e Feminismos transmitido pelo Centro de Arte Sonoro argentino. Local: São Carlos, SP/ Brasil. Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Zoom H1n, Adobe Premiere, Adobe Audition. Ficha Técnica | Narração, gravação, edição e mixagem por Lara Sorbille.
5. Hidra Etérica (Paula Otero e Isabella Duvivier Souza)
Nos inspiramos nos sons das águas de dentro da nossa casa, observando até onde o ouvido caminha no percurso do fluxo dos encanamentos que se desmembram por trás das paredes e para fora dos canos. Reverberando o mito da Hidra de Lerna, monstro que habitava um pântano, tinha corpo de dragão e várias cabeças de serpente. Segundo a lenda, as cabeças da Hidra podiam se regenerar; algumas versões dizem que, quando se cortava uma cabeça, cresciam duas em seu lugar. “No canto, entre o teto e a parede, os ossos da casa rangem. No canto dos canos vazios, a tentativa de saída. É audível que estão sob nossos pés ossos-canos. Hidra perseguida e morta pelo homem, no domínio de seus caminhos.” Para esse jogo de composição entre vozes, água e violoncelo, usamos o conceito poético de Partituras Transparentes desenvolvido pela Companhia Teatro Autônomo e pelo diretor musical Felipe Storino. Nesse sentido, cada partitura é autônoma e ganha corpo em sobreposição, vazando em relação à imagem, criando rabiscos. Não seguimos o fluxo; nos relacionamos com ele.
HIDRA ETÉRICA (Letra por Isabella Duvivier Souza)
Quando cheguei aqui pela primeira vez, haviam quilômetros de água. No canto, entre o teto e a parede, os ossos da casa rangem. No canto dos canos vazios tem tentativa de saída. É audível que estão sob nossos pés, ossos-canos. Hidra perseguida e morta pelo homem, no domínio de seus caminhos.
– Hidra, quando beberão seu veneno? Que Hércules padeça sobre seu sangue!
Bacias inteiras aterradas.
Eu nasci ali, bem perto da igreja de São Cristóvão, até hoje escuto na memória os cavaleiros de D. João VI chegando para cortar nossas cabeças. O mar correndo sob o solo de São Cristóvão canta um canto de dor. Chora. Escuta? Coloca sua cabeça no solo e escuta. Praias fantasmas. Infiltração de cabeças cortadas e rios barrados em tormenta de cidade-estado sobre águas decapitadas.
– Hidra, quando beberão seu veneno? Que Hércules padeça sobre seu sangue!
Mares inteiros aterrados.
As casas velhas têm paredes úmidas e canos secos, um esqueleto de olhos fechados. Como eu agora, parece uma saída, uma janela, mas só abre de dentro. Desabam os quadros. Esfarelam os pregos e as brocas. Desviam os azulejos e os ralos, o piso desmonta. Afundam as portas e os talheres. Perde-se os pregos. Desmancham as tomadas e o teto, os canos e os copos cedem. Desmoronam as lâmpadas e os pratos. Perde-se os canos. Os armários se soltam. Escorregam as prateleiras e os tijolos. Perde-se as portas. Perde-se os talheres. Dissolvem as fechaduras e a cama. Descolam os vidros e os interruptores. Perde-se as cadeiras. Eu estou caindo. Deslizando para o fundo. Em estado abissal ela se aproxima, vejo minha alma refletida no seu espelho infinito. Brilhante é seu vestido negro cravejado de estrelas. Uma corrente morna me conduz. Escuta? Coloca sua cabeça no solo e escuta. Praias fantasmas. Infiltração de cabeças cortadas e rios barrados em tormenta de cidade-estado sobre águas decapitadas.
Por Paula Otero e Isabella Duvivier Souza.
Paula Otero é artista, professora e pesquisadora nas artes do movimento e da música de cena. Enfoque nas pedagogias somáticas e no gesto vocal. Mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO. Licenciatura em Dança pela EFAV- Escola e Faculdade Angel Vianna, instituição em que leciona a disciplina Corpo, voz e música do Curso Técnico em Dança. Curso de extensão em violoncelo no Instituto Villa-Lobos-UNIRIO. Integrante do coletivo SoundpaintingRio. Isabella Duvivier Souza é artista independente, bailarina, pesquisadora nas artes do movimento e do objeto, professora e arte-educadora. Enfoque nas corporalidades ibéricas, nas danças contemporâneas, nas pedagogias somáticas e nas relações entre corpo/objeto/instalação e sonoridades. Pós-Graduação em Sistema Laban e Método Bartenieff, Licenciatura Plena em Dança, ambas, Faculdade Escola Angel Vianna. Escola de Música UFRJ, curso de extensão em canto. Pedagogia Waldorf, Seminário Rio de Janeiro, Instituto Miguilim. Baile Flamenco, Escola de Baile Mabel Martin, balé clássico, Escola de Balé Eugênia Feodorova. Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/ Brasil. Equipamentos/softwares/materiais utilizados para a criação: Reaper, Final Cut, Redmi note 7, Samsung Galaxy e conversores online. Ficha Técnica| Vozes, gravação, edição e mixagem por Isabella Duvivier Souza e Paula Otero; Violoncelo por Paula Otero; Letra por Isabella Duvivier Souza.
6. Deseducação (Otávio Conceição)
Carta para meu fraterno:
Querido, peço desculpas porque sei que a muito tempo não o escrevo.
Temo que perdi a prática, junto com outras coisas que nossos pais nos ensinaram.
Como está?
Aqui as coisas avançam muito devagar, as paredes são frias e então quando meu desafeto acontece, os pelos crescem e consigo me aquecer.
Escrevo para aliviar a minha angústia de ir embora sem me despedir.
Mas sinto dizer que esse lugar que tu se encontra agora não poderia me oferecer nada mais que repetições.
Eu precisava me salvar da limitação.
Creio que desaprendi bastante nesse tempo de isolamento.
Porém descobri que há uma beleza instigadora na deseducação.
Ato de virar, transformar, convergir, me acompanham não só dentro de mim, mas está em toda a minha volta neste cômodo.
Eu viro o vento, o vento me vira.
Eu viro as páginas e as moedas.
Viro o teto, que vira chão.
Vira vira vira homem, vira monstro.
Fiz da comutação minha amante.
Mesmo assim, posso afirmar que no atual momento que escrevo isso, eu nunca estive tão sozinho.
E não quero que pense que isso é ruim.
A solidão me preenche de formas diferentes das quais costumávamos aprender aí.
Me sinto completo pela primeira vez.
Saiba disso.
Te aguardo,
Prince Lu (aka Mister Apocalipse)
Por Otávio Conceição.
Otávio Conceição é graduando de Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). É membro do Laboratório de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora - SONatório e do Grupo de Estudos e Práticas em Documentário. É cineclubista, sendo ex-membro do cineclube Mário Gusmão pelo qual realizou oficinas, mostras e sessões. Trabalha como roteirista, microfonista e curador em cinema. Realizou dois filmes autorais: Black Friends Forever (2018) e Álbum de Casamento (2020). Foi assistente de curadoria no Cachoeiradoc 2020 e atualmente coordena e Viu&Review, blog de críticas.
Local: Salvador, Bahia/ Brasil.
Equipamentos/softwares/materiais utilizados para a criação: Reaper e áudios sortidos que acabaram ficando abandonados no meu computador, em materiais não usados na produção de criação sonora de curtas metragens.
Ficha Técnica | Realização por Otávio Conceição.
7. Estafa Mental nº2 (Marina Mapurunga)
Na primeira estafa, a multidão me atordoava, o caos do trânsito, os sons da rua, muitas vozes, muitas pessoas. Hoje, minha estafa se dá entre o teto e a parede, atravessada pelo computador, pelo aparelho celular, pelo televisor, pelos noticiários. Mortes. Pandemia. Vírus e suas variações. Desgoverno. Zumbidos. Os zumbidos continuam.
Minha Estafa Mental nº1 era uma performance, realizada com pessoas ao redor. Começava com minha respiração, aos poucos tentava me concentrar e tocar meu violino elétrico em meio ao som caótico do trânsito. Agora, na Estafa Mental nº2 toco minha viola de arco, sozinha. Arranho, forço as cordas com o arco. Meu corpo está tenso. Busco outros caminhos, mas me mantenho no mesmo lugar, entre o teto e a parede, em uma cadeira de escritório, de frente para o computador com a viola nas mãos e debaixo do queixo. A mandíbula se encontra tão tensa que desloca e não volta. Zumbidos, zumbidos. Zumbidos agudos, pulsáteis, chiados. As sombras me atravessam.
Toco minha viola, uma, duas, três, quatro vezes. Hoje não sou uma, mas sou quatro, cinco, talvez dez Marinas. Estico o som da viola no computador como estico meu pescoço cheio de dor. O computador deteriora o que toquei. Ele me deteriora. Todos os dias, deterioro minha visão, minha audição, minha coluna, meu pescoço, meus punhos na frente do meu computa(dor). Vejo as pessoas pelo computador, suas vozes são processadas, comprimidas, estridentes. Seus rostos são pixelizados, pequenos quadrados, glitches. Eu também sou, sou mais um glitch dentro do emarenhado dessa rede. Eu e minha viola, deterioradas, acumuladas, bugadas, estafadas.
Por Marina Mapurunga.
Marina Mapurunga é artista e pesquisadora que atua no campo do audiovisual, da arte sonora e da música. Professora de som do curso de Cinema & Audiovisual e Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Coordenadora e integrante do SONatório. Pesquisadora do NuSom-USP e do LinkLivre-UFRB. Integrante da rede Sonora: músicas e feminismos e da Orquestra Errante. Com o projeto solo AnimuLa, realiza performances sonoras(visuais) aliadas à voz, gravações de campo, violino elétrico, viola de arco, pedais, live coding e projeções. Local: Salvador, Bahia/ Brasil. Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Reaper, microfone SGM-250 Azden, interface M-Audio fast track pro e viola de arco. Ficha técnica | Voz, viola de arco, gravação, edição e mixagem: Marina Mapurunga
8. Monstrinhe – peça corpossom 48 (Chico Jalala)
Estou tentando simplificar as minhas ideias! Monstrinhe é uma metamorfose vocal dentro do contexto presente de ‘recolhimento social’… Ou destruição do tecido social pelo neoliberalismo predatório intensificado pela pornografia neofeudal dos bolsonaros – que se valem do corona vírus como arma biológica de racismo necropolítico.
Como o nome diz, é uma peça de corpossom, pesquisa que eu desenrolo há mais de dez anos, bastante graças à universidade pública. O roteiro mínimo de uma peça-corpossom recorta e contempla um processo específico de corpo enquanto som, que se desdobra, prolonga-se e por fim se cristaliza em certo som com um certo corpo. É uma dramaturgia sonora que se aproxima da dança, uma dança do som nascente.
No caso de Monstrinhe, penso que faz parte de um grupo de pequenas peças que opera paródias de filtros e múltiplas interferências de ‘sinal’. Paradoxalmente eu não usei recursos de processamento, pedais etc. Os compósitos resultantes incluem frases insólitas. Desculpa, eu gosto da palavra ‘compósito’ – é meio um bagulhão com informações cruzadas.
Com a continuidade da minha pesquisa quero afirmar que o mundo não está acabado nem está pronto, na medida em que as composições conjuntas de corpo e som, e os processos onde um toma outro para nascer, são sempre em algum grau imprevisíveis e estranhos.
É uma alegria poder participar do disco! <3
Por Chico (Jalala)
Chico ou Jalala é artista multidisciplinar, improvisadore, mestre em pedagogia do teatro, doutor em sonologia (estudos do som). Propôs os núcleos de corpossom. #corpossom Local: Cotia, São Paulo / Brasil. Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Microfone SONY ECM-MS907, interface Roland EDIROL UA-1EX, fone de ouvido SONY MDR-ZX310AP, software Audacity, registro feito no meu quarto mesmo. Ficha Técnica | Vozes, gravação, edição, mixagem e outras informações de créditos: Chico (Jalala).
9. Tanto bate até que fura (Ian Valentin)
Áudio elaborado a partir de uma pesquisa e combinação de espectros sonoros que transmitem possibilidades diversas de intervenções entre o teto e a parede, sob uma constância de ações nestas estruturas de concreto que permeiam o ato de perfurar, bater, girar, riscar… Ora através de processos manuais, ora por meio de máquinas. O estalo de um galho lá fora, é tão singelo quanto a goteira que escorre pela parede. De tanto bater, algo furou. Vermelhidão, estado de alerta. Há tempo para contemplação.
Por Ian Valentin.
Ian Valentin atua e desenvolve suas produções em diversas linguagens, tais como a música, a fotografia e as artes gráficas. É um entusiasta dos valores civilizatórios da cultura popular brasileira e das tradições afro-ameríndias. DJ e colecionador de discos desde 2005. Membro do Coletivo Pragatecno. Integrante do grupo Sarrabulho Tambor de Crioula. Graduando no Bacharelado Interdisciplinar em Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Local: João Pessoa, Paraíba/ Brasil. Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Macbook, fone de ouvido JBL, Audacity. Ficha Técnica | Espectros sonoros: Salamisound / Composição, edição, efeitos e mixagem: Ian Valentin
10. Queda Sibilar (Flávia Goa)
Com o gravador de celular situado no centro do corredor da casa num dia após dilúvio, o silêncio se dissipava pelas rachaduras que me levavam ao externo passeio pelo pensamento imaginário ao vento afora e ao mesmo tempo me transferindo para o presente que me retornava ao mesmo lugar enquanto gotas de chuva contavam o tempo da tarde de tensão. Queda sibilar se identifica com a passagem de um vento que busca um encontro com outro lugar, ou mundo não encontrado. É um lugar onde quer se encontrar através da transferência pela parede da inércia a um outro lugar. Queda sibilar é um estado de uma pessoa em quarentena querendo estar ou pensar o corpo através dos sentidos de dispositivos de deslocamento para um outro mundo que ainda não existe. Queda sibilar é o lugar sem saída. É o movimento num lugar onde a força da potência se choca com o caos relevado pelo estado irreal da imaginação. Somente raiz da função principal é encontro com as faias desenhadas através do espelho ofuscado pelo verde do côncavo.
Por Flávia Goa.
Flavia Goa é artista sonora, improvisadora e pesquisa afinações e harmonias incomuns na guitarra e violão criando um processo atmosférico em estrutura de acordes personalizados. Em 2019 lançou seu disco de estreia Conto Cibernético pelo selo Música Insólita. Hoje organiza o festival de improvisação que acontece nessas frestas de encontros possíveis. Local: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/ Brasil. Equipamento/software/material utilizado na criação sonora: Guitarra, Soundforge e Pro-tools, Gravador de celular, Corredor de casa, Balde com goteira. Ficha Técnica | Edição e Mixagem por Flávia Goa.
11. Modus Operandi (Stephanie Sobral / tepha)
Estamos condicionados a virar máquinas? Nossas vozes se confundem com sinais robóticos. Ditadura da rotina, gestos premeditados, emoções reduzidas. Movimentos diários mecânicos ou movimentos mecânicos diários? O tema “entre o teto e a parede” vem com várias interpretações, mas acredito que a principal seja o nosso dia a dia dentro de casa em meio a um caos sanitário mundial. Presa em um apartamento, me pego planejando cada passo da minha semana para que de alguma forma eu me sinta produtiva, mesmo sem garantia. E assim me sinto como um robô. Consumida por essa rotina, sem muita perspectiva e com o presente a passos arrastados (quase parando). Modus Operandi é a forma que eu sigo sobrevivendo, mas não é o futuro que eu almejo.
Por Stephanie Sobral (tepha).
Stephanie Sobral (tepha) é graduanda em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), trabalha e estuda fotografia still desde 2013. Dentro da graduação já dirigiu dois curtas-metragens e trabalhou como assistente de fotografia em cinco filmes, todas produções em Cachoeira/BA. É bolsista do grupo e extensão do Programa de Formação em Comunicação da UFRB e é integrante do SONatório desde 2019. Local: Salvador, Bahia/ Brasil. Equipamento/software/material utilizado na criação sonora: Celular, aplicativo MasterRec, Voz, programa Premiere para edição e efeitos. Ficha Técnica | Voz, captação, edição e mixagem: Stephanie Sobral (tepha).
12. Quebra de barreiras (Lígia Franco)
A primeira imagem, em vermelho com linhas destacadas, me trouxe muito a ideia de abismo. Me imaginei um ser bem pequeno caminhando naquela dimensão e chegando às bordas do que seria um “penhasco”, o limite final daquele universo, em que não haveria mais para onde ir. Gravei minha voz e coloquei um eco e reverb bem exagerados, a fim de trazer a sensação de estar naquele local do “penhasco”. Fiz alguns cortes bruscos nessa voz, pra trazer uma sensação de temporalidades distorcidas. E aí foi como se eu me jogasse do abismo para ver aonde daria. Em seguida ouvimos os sons de coisas se quebrando, que vai ganhando espaço e se tornando mais forte, ao mesmo tempo em que o som de uma “balada cibereletrônica” também cresce. Nesse momento a ideia foi de realmente quebrar as formas das imagens ou melhor, as bordas e limites dessas imagens, que representam dimensões de diferentes universos, mas que são transpassadas e misturam-se. Em cada nova fronteira alcançada elementos diferentes vão sendo agregados aos sons. Elementos sonoros que estão em diálogo com as imagens que vemos. Ouvimos a balada cibereletrônica, que faz referência à segunda imagem, suas luzes e sombras, a vibe distópica e futurista. Novamente ouvimos uma explosão de quebra de barreiras e o silêncio, que vem para criar tensão e constraste antes que
o som final comece, a música que sintetiza a necessidade de liberdade e expansão, dialogando com a terceira imagem e a abertura para a vida lá fora. As paredes são quebradas e alcançamos a liberdade entre as dimensões, carregando em nossa bagagem um pouquinho de cada uma delas.
Por Lígia Franco.
Lígia Franco é graduanda em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. É artista e realizadora do audiovisual. Integrante do SONatório e do coletivo CUCA Cultural. Trabalha com fotografia, cinematografia, edição de imagem e vídeo e marketing digital. Produtora e cinegrafista da “Vitrine Virtual”, integrante do departamento de comunicação e mídia da Corporação Musical Marcos Vedovello e é também artesã criadora da página Maya Artesanatos. Local: Mogi Guaçu, São Paulo/ Brasil. Equipamento/software/material utilizado na criação sonora: Aplicativo para celular para gravação de voz (Super Recorder); softwares (LMMS e Audacity). Ficha Técnica | Vozes, gravação e edição: Lígia Franco.
13. 01100001 01110000 01101111 01110011 01110100 01100001 (Joanne Labixa)
O código binário representa a distorção. As fotos me levaram a locais diferentes, de uma mesma mente. Talvez num jogo, talvez olhando pela janela, talvez sonhando enquanto dorme, o que acontece na mente é sempre um mistério, a mente é uma distorção. Até não existir mais mente.
Por Joanne Labixa.
Joanne Labixa (João Paulo Pereira Guimarães) é drag queen, graduando em cinema e “artista visual” e sonoro. LaBixa se espreita pelas mazelas de suas inseguranças para criar em cima delas. Desenvolvendo seu lado ‘CAMP’, a artista é escrachada, coitada. Local: Valença, Bahia/ Brasil. Equipamento/software/material utilizado na criação sonora: FL Studio. Ficha Técnica | Produção, mixagem e edição: Joanne Labixa.
créditos
Faixas:
Lançamento no Instragram do SONatório (@sonatoriooo) por Marina Mapurunga, Joanne Labixa e Stephanie Sobral.